Olhar além

Sonho parecido deve ter tido o litógrafo Nicéphore Niépce, num longo dia de 1826, ao ver o jardim do vizinho fixado em fotografia, quer dizer, imanente e reproduzível diretamente do real. Longo dia não só porque o inventor teve de esperar um dia inteiro para conseguir o feito, mas porque a "mágica" obtida era aguardada há séculos. O dispositivo usado, a câmera escura, já conhecido na Grécia antiga, e aperfeiçoado ao longo do tempo, era utilizado como instrumento de estudo da perspectiva, como mostra uma gravura de Albrecht Dürer, de 1525.

Se longo foi o tempo para a entrada de Niépce em cena, o atraso foi recuperado no ritmo acelerado imposto pela Revolução Industrial. Enquanto Louis Daguerre encurtava o tempo de revelação da foto (daguerreótipo), processo que não demoraria a chegar ao Brasil, trazido por Dom Pedro II - entusiasta da nova expressão -, a fotografia já desabrochava em Campinas, São Paulo, onde Hercule Florence desenvolvia os experimentos que nomeou Photographie (denominação que perdurou).

Em 1841, William Talbot inventa o negativo (calotipia), possibilitando a reprodução múltipla de um mesmo original e, na seqüência, George Eastman, criador da Kodak e inventor da câmera portátil, anuncia em 1888: "Você aperta o botão, nós fazemos o resto". Assim, o desejo ancestral do homem de perpetuar sua imagem e seu entorno, expresso desde a pré-história, era-lhe concedido de forma instantânea e misteriosa. "O que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente", nas palavras de Roland Barthes.

A bordo da nova imagem que emergia com a modernidade, o cinema não tardaria. A largada foi dada em 1895, com A Chegada do Trem à Estação e o Regador Regado - os dois primeiros filmes dos irmãos Lumière. Do cinema mudo à imagem eletrônica, a imagem matriz - a fotografia - avançou em seu percurso. As artes plásticas, que jamais foram as mesmas depois do seu advento, fizeram bom uso dela e vice-versa. De tal modo que se imbricaram, e hoje caminham juntas. Os artistas Man Ray e Làzlo Moholy-Nagy, entre outros, efetivaram essa união.

"Que futuro estará reservado à imaginação individual nessa que se convencionou chamar 'a civilização da imagem'?". A esta pergunta de Ítalo Calvino, os artistas aqui reunidos apontam algumas pistas. "Viajantes de fato, eles partem por partir; de coração flutuante", como no poema A Viagem, de Charles Baudelaire. Adriana Varella, Fábio de Carvalho, Mariano Klautau Filho, Tiago Rivaldo e Val lançam-se ao jogo do acaso, em busca dos "encantos secretos que só o acaso com as nuvens delineia".

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Fábio Carvalho nos interpela com o seu tempo imóvel, mas não estático, lançando sobre nossos sentidos a pergunta: parou o tempo, ou paramos nós, o que parou? O elemento surpresa, resultante da montagem de imagens fotográficas, a partir de pontos fixos alternados, desestabiliza o olhar. Sob o impacto desse tempo "congelado", somos lançados para dentro da imagem; ao fazermos parte dela, e somente dessa forma, superamos a dificuldade em apreendê-la. Em estreita sintonia com o espírito de uma época marcada pela reprodutibilidade e multiplicação, essas "transimagens" apresentadas por Fábio de Carvalho refletem o pensamento deste fim de século, pelo viés irônico e perturbador.
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Publicado no catálogo da exposição Olhar Além (Rumos Itaú Cultural Artes Visuais)
Itaú Cultural Campinas - SP - 1999/2000
Itaú Cultural Penápolis - SP - 2000