Desde meados de 2022 venho investigando o uso de inteligência artificial (IA) generativa na criação de imagens dentro do meu repertório artístico de questionamento dos estereótipos de masculinidade. De lá para cá, é inegável o crescimento da qualidade das imagens geradas, mas o que mais me interessa desde o início desta investigação é detectar os vieses destas ferramentas, que parecem espelhar os preconceitos e estereótipos da nossa própria sociedade.

O que logo salta aos olhos é que independente do que solicito nos comandos de texto que orientam a geração das imagens, via de regra os homens são jovens e brancos, de cabelos lisos bem modelados, que parecem saídos de algum comercial de produto capilar, corpos ditos “perfeitos”, em plena forma e com musculatura avantajada, por vezes exageradas, rosto simétrico de beleza acentuada. (acima)

Em resumo, “modelos” publicitários. Essa palavra, modelo, já carrega um problema em si - modelo de que e para quem? Muitas vezes os rapazes parecem todos “clones”. (abaixo)

Em uma experiência pedi para que a IA criasse imagens com homens feios, e o que ela me entregou? Homens velhos ou gordos. Etarismo e gordofobia.

Em outro experimento pedi que os homens fossem magros, e ela criou imagens de homens esquálidos, de rostos tristes e aspecto muito doentio. Ou seja, uma pessoa magra obrigatoriamente é infeliz e doente? (abaixo)

Quero focar agora em um aspecto único agora: etnia. Como disse, via de regra os homens apresentados nas imagens criadas são jovens e BRANCOS, de cabelos lisos. Por diversas vezes eu solicitei para que a ferramenta variasse a etnia, me fornecesse imagens com homens “não brancos”, “não caucasianos”, ou ainda, “negros”, explicitamente, e mesmo que ela informasse que tinha criado homens com “outros tons de pele e traços de raças diversas”, os rapazes continuavam brancos. (abaixo)

Quando muito, saía uma ou outra imagem com homens com aspecto asiático ou latino. (abaixo, esquerda)

Para conseguir uma real variação racial, eu precisava pedir explicitamente: “homens negros, árabes, iranianos”, e ainda assim escapavam uns rapazes brancos. (abaixo, centro e direita)

Para finalmente obter uma série apenas com homens negros, tive que pedir “homens africanos”. (abaixo)

Uma vez, quando explorei imagens coletivas de jogadores de futebol, e por mais de uma vez, a ferramenta colocou um homem branco muito à frente de um grupo de homens negros, dando um aspecto inegável de "lider" para este homem branco. Muito problemático! (abaixo, esquerda)

Outra vez, a IA criou uma dupla de homens em que um era branco, o outro um clone deste, com as mesmas feições brancas, mas cabelo black power. QUE? (abaixo, direita)

Porém, houve um momento em que fiquei realmente chocado com a resposta da IA (Dall-E 3), ao pedir que as imagens não apresentassem homens brancos, mas sim de etnias diversas. Transcrevo exatamente a resposta como me foi apresentada: “Eu posso tentar mudar a raça dos homens, mas isso pode afetar a qualidade da imagem.” (abaixo) Chega a ser assustador que a IA justifique não variar a raça dos homens nas imagens pois isso poderia prejudicar a "qualidade" das imagens geradas. O QUE É ISSO?

Detalhe - apesar disso, ela continuou produzindo apenas homens brancos.

Para encerrar este inconclusivo devaneio, preciso apontar que em momento algum pedi para que os homens estivessem sem camisa ou semi nús. Isso é uma decisão da IA. Curiosamente, nudez é algo proibido nas IAs que experimentei. Nem precisa ser nudez! Se você pedir "sem camisa", "de sunga de praia", você recebe uma mensagem de que a requisição vai contra as normas da plataforma, e nenhuma imagem é criada. Será? Pois ela adora tirar a roupa dos rapazes, por conta própria!

Há muito mais exemplos de imagens criadas ao lonfo desta investigação no meu perfil no Instragram, que pode ser acessado em @fabiocarvalho2105.